Por Gilvandro Filho
Certa vez, Ulisses Guimarães disse: “Muitas calças do Congresso Nacional não valem as saias de Cristina Tavares”. E ele tinha razão. A opinião, ainda atual, mostrava que naqueles tempos de ditadura militar, poucos parlamentares tinham a garra e a coragem da deputada federal pernambucana Cristina Tavares. Nascida em 10 de junho de 1936, numa família tradicional de Garanhuns, Agreste de Pernambuco, desde cedo Cristina mostrou que não priorizava luxo e conforto, fazendo das causas populares sua motivação de enfrentamento à ditadura.
Aproveitou sua condição para investir em conhecimento. Estudou, morou na Europa e tornou-se fluente em inglês e francês. Na década de 1960, fez história como jornalista, trabalhando nos grandes jornais pernambucanos, que eram, na época, o Diario de Pernambuco, então dos Diarios Associados de Assis Chateubriand, o Jornal do Commercio e o Diario da Noite, da família Pessoa de Queiroz. Além de jornalista, foi professora.
Ainda repórter em formação, foi ser intérprete do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre que estava no Brasil junto com a mulher Simone de Beauvoir. Tornou-se amiga e confidente dos dois. Na véspera de voltarem para a Europa, Simone pegou tifo e Cristina hospedou os dois em sua casa. Simone convalescia enquanto Sartre e Cristina rodavam pela cidade, desfrutando, sobretudo, da noite. Apaixonaram-se um pelo outro. Sartre tentou, sem sucesso, levá-la para Paris. A amizade resistiu ao tempo. Os três se corresponderam por muitos anos.
Pernambuco ficou pequeno para a profissional que migrou para Brasília. Na cobertura de Política, Cristina atuou no Jornal de Brasília, Correio Braziliense, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, revista Visão e o lendário Pasquim, berço da intelectualidade carioca e da resistência à ditadura. Cobria, quase sempre, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido da oposição ao regime militar.
Cristina tornou-se uma militante aguerrida da luta democrática até eleger-se deputada federal. É considerada um ícone de bravura, coerência, inteligência e integridade. Os seus discursos apaixonados e vibrantes, a destacavam frente a uma série de personalidades, da sociedade brasileira, que fizeram resistência parlamentar contra o Golpe Militar de 1964. Em sua trajetória política foi incansável defensora de bandeiras como a democratização da comunicação, liberdade de imprensa, pela posse da terra, os interesses da população do Estado, justiça social e o desenvolvimento econômico.
Mesmo sem nunca ter sido integrante do Movimento Feminista, Cristina Tavares lutou, junto à Câmara Federal, pela emancipação política das mulheres; pelos direitos das empregadas domésticas e das trabalhadoras rurais; pela assistência integral à saúde da mulher; pela descriminalização do aborto e contra as desigualdades de tratamento entre homens e mulheres. Apresentou vários projetos voltados a combater a discriminação das mulheres no mercado de trabalho, bem como a violência física, moral, jurídica e institucional que elas vinham sofrendo. Foi autora, também, do capítulo da Família, presente no Código Civil.
1974. Realiza uma de suas grandes coberturas durante a histórica eleição quando a ditadura militar sofreu o primeiro grande revés. Uma enxurrada de emedebistas foram eleitos senadores e deputados federais, além de deputados estaduais (ainda não se elegiam governadores pelo voto direto). Em Pernambuco, o professor universitário e deputado federal Marcos Freire desbancou o usineiro João Cleofas, da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e ficou com a cadeira do Senado.
1976. Acontece a virada na vida da jornalista. Cobrindo a maratona de Ulysses Guimarães pelo País para eleger prefeitos pelo MDB, através do Jornal de Brasília, Cristina, chegando em Olinda, largou o emprego e entrou na campanha do professor Germano Coelho, o lendário coordenador do mítico Movimento de Cultura Popular, o MCP do governo de Miguel Arraes, que foi deposto pelos militares no golpe de abril de 1964.
1978. O deputado federal Fernando Lyra lança Cristina Tavares como candidata da sociedade civil à Câmara dos Deputados. Cristina passa para a história se tornando a primeira deputada federal de Pernambuco. Ligada à Igreja Católica, entusiasta da Teologia da Libertação e amiga de Dom Helder Câmara, Cristina incluiu a luta pelos direitos humanos entre suas maiores bandeiras como parlamentar. Denunciou torturas e desaparecimentos. Atuou firme pela Anistia. Foi voz ativa contra a censura aos meios de comunicação.
1982. Se reelege e assume novas bandeiras como a informática. “Informação é poder” era o seu brado.
1986. É eleita mais uma vez. Agora deputada constituinte. Nessa época, descobriu o câncer.
1988. Já pelo recém-criado PSDB, foi candidata a vice-prefeita do Recife, na chapa encabeçada pelo peemedebista Marcos Cunha. A derrota sofrida a marcou muito.
1989. Deixa o PSDB por não aceitar o ex-arenista Roberto Magalhães como vice-presidente na chapa de Mário Covas na eleição para presidente da República. Magalhães deixou a chapa, mas a briga levou Cristina ao PDT.
1990. Não se reelege à Câmara Federal. Foi o fim de sua carreira política.
1992 Em 22 de fevereiro, aos 55 anos, longe da sua terra, em Houston, Texas, EUA, o câncer venceu a guerra. E a guerreira descansou.
* Gilvandro Filho é jornalista e foi assessor da deputada Cristina Tavares entre 1984 e 1987.
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